Quem é Paulo Jorge Gonçalves?
Sou carioca. Sou filho de pai militar e mãe artesã. Nasci em 10 de
abril de 1969, no Rio de Janeiro – onde sempre vivi. Tenho esta cidade como
marca influente em minha vida. Falo com orgulho. O Rio que, aqui, menciono não
é só o mundinho eleito pela mídia. É, também, os cantos e recantos que nós, os
verdadeiros cariocas, conhecemos e usufruímos com alegria; como por exemplo, a
riqueza da baixada fluminense, o charme do subúrbio carioca... Sou fruto destes
lugares, dos ônibus cheios de trabalhadores, dos operários que esquentam a cabeça
no sol de 40°graus, dos artesãos que embelezam a cidade... Sou filho do Rio. Carrego
o Jorge em meu nome como santo de devoção familiar e, também, como um símbolo
de minha “carioquice”. Estudei em uma escola
religiosa que exortava em nós o desejo de conhecer o universo do mundo das
artes (em particular, o desenho e a poesia). Esse período foi de suma
importância para o encaminhamento da minha vida profissional e acadêmica; por
isso, a opção pela Arte de Lecionar: a primeira graduação em Pedagogia e a
segunda, em Arte Educação.
Cresci cercado pelos apetrechos do trabalho (que admiro) de minha
mãe – os tecidos, as tintas, os papéis de todos os tipos, as tesouras... , enfim,
tudo o que um artesão usa no dia a dia e vivenciando a genialidade (que admiro)
de meu pai para a construção.
Meu brinquedo preferido na
infância eram as canetinhas coloridadas (canetas hidrográficas). Desenhava por
horas a fio, era a coisa que mais me entorpecia naquela época.
Como sempre fui morador do subúrbio carioca, cursos de arte
ficavam bastante distantes. Então, comecei a colecionar tudo que caía em minhas
mãos sobre o assunto. Tinha coleções que se compravam em fascículos nas bancas
de jornal. Aos 11 anos, eu poderia não saber muito sobre português e
matemática; entretanto, se me pedissem para falar sobre um determinado pintor como
Alfred Sisley ou
Jean-Auguste Dominique Ingles, eu recitava todo o histórico decorado das tais
coleções. Tinha também por hábito colecionar matérias da imprensa escrita que
guardava em pastas e ia lendo e relendo sempre. Ainda bem jovem, eu já lia de
forma fragmentada sobre arte contemporânea, as pesquisas da década, o que era
um conceito de arte. O fruto deste caleidoscópio de informação foi bem
interessante.
Somente na segunda fase da minha juventude, pude me distanciar e
ir ao encontro de cursos de arte propriamente dito. Mesmo assim as viagens eram
sacrificantes. Fui para o Parque Lage aprender pintura e tive cursos com João Magalhães,
Malu Fatorelli e José Maria Dias da Cruz. Para a graduação preferi cursar a
licenciatura a fim de unir as minhas duas paixões: a arte e a educação.
Uma imensa curiosidade me fez procurar gravura e no ateliê do SESC
Tijuca. Lá, pude ter uma troca bastante enriquecedora com Gian Shimada, que em
sua metodologia de ensino, presenteava-nos com a oportunidade de desenvolver um
trabalho a partir de nossas pesquisas.
Minha primeira influencia, foi minha mãe e suas mãos
primorosas.
A segunda, foi como mencionei, minha coleção de recortes de
jornais e revistas – estes me apresentaram um panteão de ideias e um mundo de
artistas a eleger.
A grande paixão inicial foi,
como para muitos, sem dúvida, Paul Klee. Aquelas obras me encantavam e encantam
até hoje.
Traçar uma única influencia é difícil, por se tratar de um país
tão plural como o Brasil e própria arte contemporânea.
Percebo que bebi e me embriago em diversas fontes; por exemplo, como
as experiências do neoconcretismo brasileiro, a arte minimalista, a pós-
minimalistas e tantas outras. Registro, também, aqui, o meu gosto pela pesquisa
da poética por traz de um trabalho. Eva Hesse, Sol Lewitt, Carl Andre, Robert Smithson, Robert Morris,
Richard Long, Richard Serra, Matt-Clark…
Uma particularidade que não posso negar, é que sendo arte-educador
eu fomento, incentivo, estímulo meus alunos; contudo, tenho a certeza de que
sou nutrido, sustentado por eles. Pois de forma inconsciente eles me trazem a
todo instante ideias, frases, pensamentos e atitudes que vão construindo e
fortalecendo minha memoria poética.
Trabalho com algumas mídias bem conhecidas: o desenho, a pintura, a
gravura e a fotografia. O interessante é que mesmo nestas vias, fujo um pouco do peso que
elas têm na historia da arte. As minhas gravuras (as minhas composições mais expostas ao público)
representam não como um gravador típico: matriz, cópias numeradas e ponto final,
mas atípico. A matriz é gênesis de um trabalho muito maior, possibilita espalhar
uma proposta. Cumprindo sua função prática, origina cópias. Cito como exemplo,
os meus trabalhos que denomino de ocupações. Eles são matrizes que originam
cópias e que são espalhados por um ambiente no processo site específico, pois o
objetivo maior e estar em todo o espaço “contaminar” e ocupar.
Muitas das minhas copias funcionam como peças de armar. Um jogo
lúdico. Faço peças para colar na rua, intervir na paisagem e criar diálogos com
o povo. Outas cópias não são para ser
expostas diretamente, uso para experiências, performances. O que resulta disso
são fotografias destas experiências: já congelei uma gravura, já dei forma a
elas para levar a rua, já carimbei partes do corpo.
Trabalho com contrastes, com o lugar da arte, com a arte fora e
dentro do espaço tradicional. Não sou de ter apenas um assunto, estou aberto a
experiências e a transgressões.
De certa forma posso afirmar que vivo de arte; afinal, sou,
também, arte-educador. Infelizmente, a parcela que trabalha com arte não é levada a sério por
nossos camaradas artista, e no dia a dia recebem uma atenção mínima dos que
lidam com educação.
Quanto à venda da produção, é uma questão de mercado e de quem privilegia uns em detrimento de outros.
Quanto à venda da produção, é uma questão de mercado e de quem privilegia uns em detrimento de outros.
Constato que muita gente boa esta fora de galerias; pois, em
muitos casos o que vale são acordos, como a maioria das situações brasileiras.
Tudo passa por uma palavra: Articulação. Ser mais ou menos articulado é o vai
determinar – e muito – o seu sucesso na vida profissional.
O Brasil tem sérios problemas em relação ao material. Iberê Camargo já, na década de 70, travou uma verdadeira guerra
com o governo; por afirmar que a indústria de materiais de arte brasileiros não
servia nem para estudo de iniciantes.
Não há como fazer uma comparação com os materiais importados que
por sinal têm preços absurdos para nós artistas/povo.
Em relação à gravura, os materiais do exterior são melhores, principalmente,
no caso dos papéis. Eu uso atualmente um papel produzido na Argentina. Por sinal em minha última viagem à Argentina, comprei goivas
maravilhosas que estou usando na maioria dos meus trabalhos. Mais um artista
nunca se limita a isso. Picasso dizia que se não tivesse material para realizar
seus trabalhos faria com suas fezes. Bispo do Rosário, um dos maiores artistas
do mundo, criou com restos e lixo.
O que você pensa sobre o preço das gravuras em nosso meio?
Não sou adepto deste povo que carrega o estandarte da gravura como
um dogma e ao mesmo tempo como uma bola e corrente. Adoro Faiga e seu trabalho, mas não concordo com aquele papo de
que gravura é musica de câmara e o próprio trabalho dessa dama da arte
brasileira era na verdade uma ópera completa.
Sabemos do histórico da gravura como reprodutora de imagens, desde
a idade média até a revolução modernista, quando essa técnica artística
torna-se uma mídia tão importante quanto à pintura e à escultura.
O artista que se dispõe a trabalhar com gravura na
contemporaneidade tem que ter em mente que a gravura é apenas um meio, um viés
de comunicação como qualquer outro, nem pior, nem melhor, nem superior ou
inferior. Um meio que atenda suas pesquisas e objetivos. Os “dogmas” e o descaso de galeristas e
colecionadores criaram o que chamo de preconceito e fetiche por esta arte.
Preconceito por classificá-la como arte menor, devido a sua
difícil conservação e de ser menos valorizada por não ser única.
Fetiche por ter uma questão de idolatria conturbada pela técnica e
o encanto artesanal envolvido E todo aquele papo de “cozinha da arte”
relacionado aos ateliês de gravura.
Juntos estas questões e o que temos é: Consequentemente o preço da
gravura sempre será bem inferior às outras artes (o desenho e aquarela também
pagam este débito).
Tudo isso leva a um ledo engano.
Podemos constatar que há livros manuscritos da idade média, que são obras
de arte feitas em papel.
Sei por leitura que em leilões sérios (internacionais) que uma boa
gravura de Picasso sai por preço bem mais elevado que um quadro em óleo de
qualidade menor dele. – é claro, que foi analisado o nível e a qualidade tendo
como base o próprio Picasso, deixando bem claro.
Como em muitas coisas em nossa terra falta estrutura e empreendimento. É sabido que tanto nos Estados Unidos da América do Norte como
na Europa a indicação da gráfica onde foi impressa a gravura e suas técnicas somam
um peso considerável ao trabalho (ajudando assim a determinar o preço).
Como referência, menciono a Gemini e a Tyler Graphics que oferecem
um recurso imenso aos artistas contemporâneos no desenvolvimento de seus
trabalhos. Artistas como Jonathan Borofsky, Robert Longo, Jennifer Bartlett,
Chuck Close e muitos outros que são pedras da contemporaneidade, puderam
produzir uma excelente obra gráfica e com preços significativos porque contam
com uma sofisticação e uma estrutura que nos faltam.
Uns dos estímulos, já mencionados, são os meus discentes, por
serem portadores de uma bagagem interminável de diálogo. Acredito que fazer arte e ser artista é ter um canal de energia,
que purgará as influências diversas a todo o instante. Cinema, teatro, dança musica, aspectos sociais, sexo, religião...
Tudo age como fator de influencia e estímulo.
As manifestações nas ruas tem feito com que eu vomite diversas
aquarelas e desenhos.
Trabalho com aglutinação repetida e me empolgo com a massa das
pessoas no metro, nas feiras, nas ruas. Mesmo não sendo figurativo o humano
está muito presente em minha obra.
Eu tenho uma rotina pesada e estressante de trabalho, mas minha
mente pensa em arte o tempo todo. Seleciono, julgo, elaboro, decido o que pode ou não ser
transformado pela fatura em objeto de arte. Dedico alguns dias da semana para esta fatura, mas claro que há
aqueles filhos que teimam em nascer na madrugada de insônia depois de um longo
e extenuante dia de trabalho. O que fazer? Criar e deixar o filho/obra vir ao
mundo.
Existem salões sérios e existem alguns “picaretas” – aqueles que
não oferecem ao artista participante qualquer patrocínio, como se fizessem um
grande favor em expor sua arte. Questiono, então, o valor de nosso trabalho. Pois, desde o profissional que irá trocar a
lâmpada quando, por ventura, se queimar ao curador do salão de arte, todos
receberão por seu trabalho; mas, quanto ao artista, ele terá apenas uma
etiqueta ao lado da obra que ele que produziu. Isto é um lado bem negativo do
nosso trabalho.
Outra questão que me intriga são os critérios de seleção.
Participei de uma palestra onde curadores de um determinado salão estavam se
propondo a “explicar” que tipo de trabalho os artistas deveriam produzir para
poder participar desse salão. Fica a pergunta: Devemos nos adequar aos salões
de arte? Ou eles estão ai para propagar nossas experiências?
Se arte é pesquisa, é estudo, é holística, é ao mesmo tempo
coletiva e individual, ocorre, nesse tipo de situação, o que já mencionei, muita
produção boa ficando fora das vistas do público. Alguns são selecionados
meramente por se articular ou se enquadrar na proposta que a bancada quer. O que
a curadoria anseia em mostrar.
Acredito que os salões deveriam buscar pesquisas sérias em arte e
não um molde do que se deve ou não estar fazendo. Respeitar os universos
poéticos de cada um. Estamos, hoje, voltando ao tempo da academia, quando o
artista devia seguir uma determinada norma. Gosto muito das coisas que fogem
aos modelos impostos.
Quero administrar e articular melhor o
meu trabalho, para assim participar com mais afinco das questões de venda, do
mercado, das mostras... Produzir cada vez mais que, sem dúvida, é o mais
gostoso nesta brincadeira toda. Jamais
parar de buscar esta inquietação e esta pesquisa de possibilidades, a
transgressão que tanto me encanta. Trocar constantemente com o publico e ter
estas respostas que alimentam a todos nós.
Ocupação I
Ocupação II
Oferenda, 2012.
Totem.
Sem título.
Sem título
Sem título.
Ascendente.
Coluna.
Curva.
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